quarta-feira, 8 de junho de 2011

chega de conversas sobre coisas chatas do passado

Este post surge duma conversa com amigos, em que a gente discutiu qual é o comportamento melhor quando alguém que conhecemos faz algo que achamos profundamente injusto.

Claro está, aquilo que acho que se devia fazer, não coincide sempre com aquilo que consigo fazer. Vou escrever o que julgo mais ético e inteligente para mim. De facto, inteligente e ético são sinónimos neste contexto, pois  os dois dizem respeito às consequências das nossas ações.

Quando reparamos que algo injusto se está a passar, e não temos dúvidas qualquer disso, é ótima prática tomar iniciativa quanto mais cedo conseguirmos, mas a reação devia limitar-se ao contexto que a provocou, e devia ser bem controlada.
Se toda a gente souber que eu reprovo um comportamento, se o disser abertamente e se reagir conforme, sem me deixar levar pela raiva e pelo ressentimento,  tenho mais possibilidade de ter pessoas do meu lado, tirando eficácia ao comportamento injusto.
Se, ao contrário, eu mostrar uma hostilidade generalizada, também em situações alheias à causa da minha chatice, dou azo a desculpas e justificações, dou a impressão que sou eu o "mau", o "chato", e fico numo estado psicológico que me leva a exagerar a situação. O risco é a autocomplacência em se sentir moralmente superior, o orgulho de estar a lutar sozinho contra o mundo mau.  Nada de saudável, nada de jeito. Pelas mesmas razões, as zangas do passado deviam ser esquecidas. A raiva tem a função de dar a força para reagir quando é preciso. Manter a raiva viva depois de ela ter já cumprido esta tarefa, alimentando-a com conversas acerca de factos antigos, tem o único efeito de estragar a vida e a saúde, sem adiantar nada.

É com cada um querer ou não continuar um relacionamento de amizade, ou de cordialidade, com uma pessoa que se portou de forma injusta. Por um lado, exigirmos padrões morais demasiado elevados dos nossos amigos, leva a uma vida fechada no orgulho, com os efeitos sobre a vida e a saúde acima mencionados.  Por outro lado, temos o direito de recusarmos um relacionamento próximo se acharmos que pode voltar a magoar, claro está .... mas também não é preciso, neste caso, andar comentando demasiado durante imenso tempo.

Em qualquer caso, o ofensor devia  conhecer as razões do ofendido, ainda melhor se fossem discutidas abertamente, pois isto dá ao ofensor a possibilidade de se aperceber das consequências das suas ações, e também de explicá-las (nem tudo aquilo que achamos seja ofensa, é o de facto).

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Revolta na Amazónia brasileira

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No mês de Março desencadeou-se o maior protesto social de trabalhadores que se recorda no Brasil desde há muitos anos. Mais de 80 mil operários de todo o país paralisaram as obras do "progresso": hidroeléctricas, refinarias e centrais termoeléctricas. O estopim do protesto foi aceso na selva amazónia, em Jirau, e foi aceso pela arbitrariedade, violência e autoritarismo.

Tudo começou com algo muito pequeno, tal como em Tunes, à semelhança do modo como começam os grandes factos sociais. A briga entre um operário e um condutor de autocarros, na tarde de 15 de Março, no acampamento onde milhares de peões chegados dos rincões mais pobres do Brasil constroem uma das maiores barragens hidroeléctricas do país, uma obra gigantesca sobre o Rio Madeira que custará 10 mil milhões de dólares.

Pouco após a briga, na qual um peão foi golpeado, centenas de operários começaram a incendiar os autocarros que os levam dos barracões até as obras. Algumas fontes falam de 45 autocarros e 15 veículos queimados, ainda que outras elevem o número a 80 autocarros incendiados em poucos minutos. Arderam também os escritórios da empresa construtora, Camargo Correa, a metade dos dormitórios e pelo menos três caixas multibanco. Cerca de 8 mil trabalhadores internaram-se na selva para fugir à violência. A polícia foi impotente e apenas pôde proteger os depósitos de explosivos utilizados para desviar o leito do rio. A calma chegou quando o governo de Dilma Rousseff enviou 600 efectivos da polícia militar para controlar a situação. Mas os trabalhadores, cerca de 20 mil na central de Jirau, não voltaram ao trabalho e retornaram aos seus lugares de origem.

Na central próxima de Santo António começou uma paralisação dos 17 mil operários que constroem outra central no mesmo Rio Madeira, perto de Porto Velho, a capital de Rondônia. Em apenas uma semana a onda de greves nas grandes obras estendeu-se: 20 mil trabalhadores deixaram o trabalho na refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, outros 14 mil na petroquímica Suape na mesma cidade, cinco mil em Pecém, no Ceará. O factor comum entre todas estas greves é que se realizam nas obras gigantescas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que enfrentam as grandes empresas construtoras do país, as multinacionais brasileiras que trabalham para o governo.

As barragens do Rio Madeira

O Rio Madeira é o principal afluente do Amazonas. Nasce na confluência dos rios Beni e Mamoré, perto da cidade de Vila Bela na fronteira entre o Brasil e a Bolívia, tem um comprimento de 4207 quilómetros, está entre os 20 rios mais longos e é um dos 10 mais caudalosos do mundo. Recolhe as águas da cordilheira andina no Sul do Peru e da Bolívia e conta portanto com grandes desníveis que o convertem numa fonte adequada para a produção de hidro-electricidade.

O projecto de expansão do Brasil exige muita energia e seus planeadores afirmam que os rios amazónicos estão pouco aproveitados. O "complexo do Rio Madeira" contempla a construção de quatro barragens hidroeléctricas, duas delas já começadas, as de Jirau e Santo António no trecho brasileiro entre a fronteira e Porto Velho. A central de Jirau, a 150 quilómetros da capital, terá 3.350 MW instalados e a de Santo António 3.150 MW. Trata-se de dois projectos prioritários dentro do PAC que procura a interconexão dos sistemas isolados dos estados do Acre (vizinho de Rondônia) e Maranhão (no Atlântico Norte) à rede nacional de distribuição eléctrica.

Na opinião de vários analistas, a aposta é utilizar o potencial hidroeléctrico amazónico em benefício das regiões Centro e Sul, as que possuem os maiores parques industriais, e favorecer o consumo eléctrico de sectores que utilizam energia de forma intensiva como a mineração, a metalurgia e as cimenteiras. Desse modo apoia-se também o sector agro-industrial, "principal impulsionador da saída brasileira rumo ao Pacífico".

Está-se a viver a expansão do núcleo histórico do país, situado na região de São Paulo e nos estados do Sul, rumo ao Norte, onde se desenvolvem os grandes projectos hidroeléctricos, estradas, expansão da pecuária e da mineração. Em princípios de 2007 Lula lançou o PAC com enormes investimentos ao longo de quatro anos num total de 503 mil milhões de dólares, nesse momento cerca de 23% do PIB. Se se excluir a área do petróleo, o maior investimento correspondeu à produção e transporte de energia eléctrica num montante de 78 mil milhões de dólares.

Em 2010 foi lançado o PAC 2, com três vezes mais recursos, chegando a mil milhões de dólares. A produção de energia eléctrica é um dos investimentos mais fortes. Em 2009 o Brasil tinha uma potência instalada para a produção eléctrica de 106.000 MW, o que inclui produção hidráulica, térmica, eólica e nuclear. A potência eléctrica era nesse ano de 75.500 MW mas o potencial dos seus rios é de 260.000 MW, o maior do mundo, ou seja, "apenas" 30% do seu potencial está aproveitado.

O Plano Nacional de Energia 2030 prevê chegar a 126.000 MW de potência hidroeléctrica instalada, um crescimento de 65% que na sua maior parte estará concentrado nas bacias do Amazonas e do Tocantins. Para duplicar o potencial dos rios da selva, como propõe o plano "Brasil 2022", são precisas imensas obras em muito pouco tempo. A central de Jirau foi licitada em Maio de 2008 sendo ganha pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil integrado por Suez Energy, com 50,1%, Camargo Correa com 9,9%; Eletrosul com 20% e Companhía Hidroeléctrica do São Francisco (Chesf) com 20%. Seu custo inicial era de 5,5 mil milhões de dólares, financiados pelo BNDES.

Desde o princípio a central esteve envolvida em denúncias. Põe em risco povos indígenas em isolamento voluntário e o Instituto do Meio Ambiente (Ibama) concedeu a autorização em Julho de 2007 por pressões políticas e contrariando a opinião dos seus técnicos. A empresa modificou o lugar onde constrói a obra para fazê-la 9 quilómetros a jusante a fim de reduzir custos, sem estudo de impacto ambiental. Em Fevereiro de 2009 o Ibama decidiu paralisar a obra por usar uma área sem autorização e aplicou uma forte multa [6]. Só em Junho de 2009 foi entregue a licença ambiental definitiva em meio a protestos e manifestações dos ambientalistas.

A Bolívia também exprimiu críticas às obras devido à proximidade com a fronteira, pois considera que a formação de duas grandes albufeiras pode alentar enfermidades como a malária e o dengue [7]. Segundo fontes brasileiras a malária na zona teria aumentado cerca de 63% nos primeiros sete meses de 2009 em relação ao mesmo período do ano anterior.

  Rebelião na selva

As duas centrais em construção empregam em conjunto cerca de 40 mil trabalhadores, 70% provenientes de outros estados. Só em Jirau trabalham uns 20 mil operários, na sua grande maioria peões mal remunerados (o salário é de mil reais, uns 600 dólares). Chegam às obras, isoladas em plena selva, de lugares remotos do Nordeste, Norte e inclusive do Sul do Brasil, muitas vezes enganados por intermediários (chamados "gatos") que lhes prometem salários e condições de trabalho superiores às reais. Todos devem pagar aos "gatos" pelos seus "serviços".

Quando chegam à obra já estão endividados, os alimentos e os remédios são mais caros porque devem comprá-los nas lojas da empresa, muitos alojam-se em barracões de madeira, dormem em colchões no solo, as casas de banho ficam longe e são escassas, não têm energia eléctrica e estão abarrotados. Maria Ozánia da Silva, da Pastoral do Migrante de Rondônia, diz que os operários "sentem-se frustrados pelos salários e pelos descontos que lhes fazem sem explicação".

O primeiro problema que denunciam é que a Camargo Correa, a empresa encarregada do Jirau, não paga horas extra. Mas a "revolta dos peões" não é por salário e sim por dignidade, como assinala o jornalista Leonardo Sakamoto. Entre as dez principais exigências figuram: por fim à agressividade dos vigilantes e encarregados, que usam cárceres privados; tratamento respeitoso aos chegam aos alojamentos alcoolizados; fim do assédio moral dos trabalhadores de escritório aos peões; pagar por hora de transporte quando a viagem à obra for longa; eficiência dos restaurantes a fim de evitar que a fila para comer consuma o tempo de descanso; cabaz básico que leve em conta os preços locais.

Segundo Sakamoto, os peões de hoje têm um perfil bem diferente daqueles que trabalhavam na construção nos anos 90. Agora utilizam telemóvel e Internet, sabem o que se passa no mundo, têm o orgulho de vestir bem, reclamam um tratamento respeitoso e utilizam frequentemente a palavra "dignidade". Incomoda-os a precariedade das instalações e dos dormitórios, sofrem o isolamento longe das suas famílias e o menor maltrato crispa os ânimos. Sílvio Areco, engenheiro com experiência em grandes obras, assinalou as mudanças: "Antes o que mandava numa obra era quase um coronel, tinha autoridade. Agora isso não funciona, um peão de obra tem mais autonomia".

As empresas estão muito aflitas porque as obras têm algum atraso e pressionam os trabalhadores. Em Setembro de 2009 o Ministério do Trabalhou libertou 38 pessoas que trabalhavam em situação de escravidão e em Junho de 2010 constatou 330 infracções na obra do Jirau. O principal problema é a insegurança. Na opinião de Da Silva, os migrantes convertem-se num alvo fácil dos intermediários e das empresas que abusam porque estão desprotegidos.

Mas os problemas não se limitam às obras. O pastor de Jaci-Paraná, cidade vizinha de Jirau, Aluizio Vidal, presidente do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) de Rondônia, denuncia um aumento da criminalidade e da prostituição. Entre 2008 e 2010 a população de Porto Velho cresceu 12% (tem meio milhão de habitantes) mas ao mesmo tempo os homicídios cresceram 44% e segundo o tribunal de menores os abusos a menores de idade aumentaram 76% nesses anos.

Segundo os movimentos sociais da região, agrupados na Aliança dos Rios da Amazónia, "Jirau concentra todos os problemas possíveis: com um ritmo descontrolado, trouxe à região o "desenvolvimento" da prostituição, a utilização de drogas entre jovens pescadores, a especulação imobiliária, o aumento do preço dos alimentos, doenças não cuidadas e violências de todos os tipos".

  Elias Dobrovolski, membro da coordenação do Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB) que acompanha os trabalhadores desde que começaram as obras, assegura que os distritos em torno de Jirau estão a atravessar problemas muito sérios. "Eram povoados com dois mil habitantes que agora albergam 20 mil pessoas. Não há estrutura para tanta gente. Não há escolas, postos de saúde e polícias suficientes para dar apoio a toda esta gente que veio com as centrais".

A tudo isso seria preciso acrescentar que nas grandes obras do PAC as mortes no trabalho superam a média. A construção civil brasileira tem uma taxa de 23,8 mortos por cada cem mil empregados e nas obras do PAC de 19,7. Nos Estados Unidos é de 10 por cem mil, na Espanha de 10,6 e no Canadá de 8,7. O número é demasiado alto porque as grandes construtoras "têm tecnologia suficiente para proteger os trabalhadores". Por sua vez, o MAB denuncia jornadas de trabalho de até 12 horas com situações de epidemias nas obras.

Pior ainda: as empresas contrataram ex-coronéis que estariam a fazer sabotagens para criminalizar os sindicatos. A revolta atacou os símbolos do poder. "Testemunhas dos ataques disseram que os homens que chegaram para destruir os alojamentos incendiaram primeiro os dos encarregados e engenheiros".

Sindicatos, empresas e governo

Os operários da construção civil passaram de 1,8 milhão em 2006 para 2,8 milhões em 2010. O desemprego no sector é de apenas 2,3%. Os sindicatos consideram que quando as obras de infraestrutura estiverem no seu momento de esplendor, incluindo as da Copa do Mundo de 2014 e as das Olimpíadas de 2016, só no sector do PAC haverá um milhão de operários. Algo que ultrapassa tanto os empresários como os sindicalistas.

A revolta dos peões do Jirau tomou todos de surpresa: tanto o governo como os empresários e os sindicatos. Victor Paranhos, presidente do consórcio empresarial, declarou: "É preocupante porque não sabemos qual é o motivo. Nem sequer há líderes" . Curiosamente, é muito semelhante ao que dizem os sindicalistas. "Nessas revoltas no Jirau percebemos que não existe um líder para negociar uma trégua", disse Paulo Pereira da Silva da Força Sindical  . A CTU não ficou atrás e defendeu o governo perante os trabalhadores: "Têm que voltar a trabalhar. Sou brasileiro e quero ver essa central funcionando".

Essa cultura compartilhada por empresário e sindicatos, que aposta em reconduzir o protesto social a caminhos institucionais ou em afogá-la com a presença maciça da polícia militar (o governo enviou 600 polícias militares), não está a compreender que a revolta não é só nem principalmente por salário. Os grupos como o MAB, os indígenas e as pastorais fizeram uma leitura diferente. "A revolta é reflexo do autoritarismo e da ganância pela acumulação de riqueza através da exploração da natureza e dos trabalhadores", afirma um comunicado do MAB.

Na opinião do Instituto Humanitas Unisinos, a revolta do Jirau não sensibilizou nem a esquerda nem os ambientalistas. Os sítios web dos movimentos apenas noticiaram o conflito. "A violência da revolta no Jirau e a dos árabes é semelhante, mas a recepção aqui, em ambos os casos, foi oposta", disse o jornalista Jânio de Freitas.

Em 5 de Abril os operários de Santo António voltaram ao trabalho após 10 dias de greve ao votarem em assembleias um acordo entre a CUT e a empresa Odebrecht que prevê uma antecipação de 5% do aumento de salários na expectativa de uma negociação final, aumento do cabaz básico de alimentos de 110 para 132 reais e cinco dias livres a cada três meses para visitarem as famílias com direito a passagem aérea. As obras no Jirau continuam paralisadas após 20 dias à espera de negociações com a Camargo Correa.

"O PAC é a síntese do modelo desenvolvimentista que reedita o projecto de um Brasil grandioso como na época de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e no período militar. Um modelo baseado em grandes obras, sobretudo de exploração energética tendo em vista o consumo de energia de uma nação emergente exportadora de commodities", destaca o relatório "A rebelião do Jirau" . Esse crescimento exponencial do Brasil passa por converter a Amazónia e todos os seus recursos em mercadorias, um projecto que mal tem oponentes organizados uma vez que é compartilhado por sindicatos e empresários, esquerdas e direitas, governo e oposição.

O movimento que defende os atingidos pelas barragens (MAB) está há 20 anos a resistir ao que considera uma espoliação. Seu lema é "Água e energia não são mercadorias". A revolta do Jirau é uma resposta dos mais pobres, os peões do Brasil, ao ambicioso projecto de modernização e de aprofundamento do capitalismo. Gilberto Cervinski, do MAB, sintetiza o problema: "Construir as centrais do Rio Madeira é abrir a Amazónia a dezenas de outras hidroeléctricas, sem sequer discutir o que acreditamos ser a questão fundamental: Energia para que? E para quem?".

por Raúl Zibechi, analista internacional do semanário Brecha de Montevideu, docente e investigador sobre movimentos sociais na Multiversidade Franciscana de América Latina, e assessor de vários grupos sociais.

França e Itália pressionam UE para repor controlo de fronteiras

Berlusconi e Sarkozy encontraram-se nesta terça-feira em Roma para debater a questão da imigração,  defendendo uma “reforma” do Tratado de Schengen “em circunstâncias excepcionais” e pedem a Bruxelas que avalie a possibilidade de restabelecer temporariamente o controlo nas fronteiras. 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ocupação da Escola Primária do Alto da Fontinha

Escola restituída à comunidade

A antiga escola primária do Alto da Fontinha, no Porto, foi hoje (10 de Abril de 2011) ocupada por um grupo de pessoas que pretende devolver aquele espaço público à comunidade, se não como escola, sua anterior funcionalidade, pelo menos para espaço de oficinas, leitura, convívio e lazer, mantendo o carácter para que foi projectada.

A acção surpresa arrancou em moldes festivos, ao som de ritmos de resistência, e prossegue ao longo desta tarde de domingo com um animado programa, com jogos, arte, oficinas, teatro, cinema… A população local, alvo a que se destina esta acção, foi informada da iniciativa e convidada a participar. O objectivo é que o espaço venha a ser autogerido pela comunidade, com o apoio de quem promove a iniciativa.

Esta ocupação não pretende de forma alguma usurpar o imóvel, nem tão pouco vandalizá-lo, ao contrário das conotações associadas às acções de ocupação de propriedade. Pretende, sim, restituir-lhe funcionalidade e inverter o processo de destruição de que vem sendo vítima. Por isso, a festa também inclui a limpeza do recinto.

As instalações desta antiga escola primária, propriedade da autarquia, foram desactivadas há 5 anos e desde então abandonadas. As consequências são evidentes para quem passa do outro lado dos portões de acesso, na Rua da Fábrica Social, na Fontinha, onde o abandono e a ruína também tomaram conta de grande parte das pequenas casas de pedra do antigo bairro operário, com uma população maioritariamente envelhecida, pobre e deprimida, em contraste com a juventude de quem frequenta a Fundação em que José Rodrigues transformou recentemente uma antiga fábrica de chapéus. Na ocasião, o escultor frisou que o projecto era "para o Porto e com o Porto”

Tal como o projecto Es.Col.A – Espaço Colectivo Autogestionado, mas em escala reduzida: “para o Bairro e com o Bairro”.
Se bem que, neste caso, a iniciativa não tenha seguido os trâmites legais previstos, é também através de legislação - ver coluna da direita - que o grupo que a promoveu reivindica a legitimidade da acção.

Por outro lado, é de sublinhar a vontade política de entregar a dinamização de edifícios devolutos da cidade a associações sociais, conforme defendeu, a 17 de Janeiro último, a governadora civil do Porto em declarações à agência Lusa. Para Isabel Costa, "desta forma os proprietários podem ver os seus edifícios reabilitados e as associações podem resolver os seus problemas de falta de espaço, a custos muito reduzidos ou nulos".

Resta ainda uma interrogação: por que é que o Estado penaliza os proprietários de edifícios privados devolutos que “não asseguram qualquer função social ao seu património” (Decreto-Lei 159/2006, de 8 de Agosto) e não incentiva funções sociais ao seu património devoluto, que é de todos nós?

O grupo que organizou a festa de hoje na antiga escola primária da Fontinha reivindica a oportunidade de dinamizar o espaço em Es.Col.A – Espaço Colectivo Autogestionado, com a participação da comunidade local, durante, pelo menos, 90 dias. Um tempo de experiência correspondente ao prazo previsto por lei, após notificação, para desocupar imóvel do Estado ou de instituto público (Decreto-Lei n.º 280/2007 de 7 de Agosto, Artigo 76.º).



sexta-feira, 8 de abril de 2011

apoio aos alunos

Muito  provavelmente a  mudança  da sociedade  passa  pela mudança  do
ensino básico e segundário, portanto queria sublinhar a importância de realidades como a  Escola da Ponte e de  todos esforços para criar  um ensino que desperte  nos alunos  o sentido  de iniciativa  em contraposição  a um
saber impingido  por razões que não  se percebem bem, e  que promova a
solidariedade e o gosto de saber  e fazer, em vez duma corrida às notas
mais altas.

Mas criar uma escola não  deve ser coisa simplis, tudo pelo contrário,
e como em qualquer coisa muito  dificil a fazer, é preciso começar com
pequenos passos, e ver o que é que acontece. Portanto, algúns amigos e
eu chegámos  à conclusão que a  coisa melhor era  organizar umo espaço
fora da escola em que os alunos que quisessem, estudassem em conjunto,
tendo à disposição adultos volontários que não tivessem estritamente o
papel do professor  que dá explicações, mas que  fossem mais parecidos
com qualquer um deles, que está lá para partilhar  e aumentár os seus
conhecimentos.  Os adulto volontários  não deviam  ser necessariamente
especialista num campo qualquer. Claro  que as experiências de cada um
levam a ganhar conhecimentos mais profundos em algumas matérias, e que
isso pode  dar jeito em resolver  as dúvidas mais  técnicas e difíceis
dos alunos.   Isto é,  as vezes a  comunicação é mais  "vertical", uma
passagem de  informação da quem  sabe muito a  quem sabe pouco.  Não é
importante, nem interessante, nem  possível evitar isto, mas é preciso
que  não  crie  uma  gerarquia  rigida  de  prestigio  e  poder   de
decisão. Quem  aprende tem que  ser constantemente encorajado  a tomar
iniciatívas  e a  perguntar-se  sobre  o sentido  daquilo  que está  a
aprender e a sua motivação pessoal.

A iniciativa podia ser acompanhada por um blog em que fossem lançadas e
esclarecidas questões, de forma a facilitar quem não puder estar lá
fisicamente.

O espaço podia funcionar mesmo nas horas em que não houver adultos,
desde que todos os estudantes fossem responsabilizados em relação ao
cuidado com os livros e o material tudo.

Propusemos quanto acima  descrito a diversas associações,  que se
mostraram interessadas.  Estamos ansiosos por  recebermos comentários,
sugestões, e apoio por qualquer pessoa que goste da ideia.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

É hora de julgar os crimes económicos contra a humanidade?

Da mesma forma que se criaram instituições e procedimentos para julgar os crimes políticos contra a humanidade, é hora de fazer o mesmo com os crimes económicos. Este é um bom momento, dada sua existência difícil de refutar.
É urgente que a noção de “crime económico” se incorpore ao discurso cidadão e se entenda a sua importância para construir a democracia económica e política. No mínimo, isso far-nos-á ver a necessidade de regular os mercados para que, como diz Polanyi, eles estejam ao serviço da sociedade e não o contrário.
Segundo o Tribunal Penal Internacional, crime contra a humanidade é “qualquer acto desumano que cause graves sofrimentos ou atente contra a saúde mental ou física de quem o sofre, cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil”. Desde a Segunda Guerra Mundial estamos familiarizados com este conceito e com a ideia de que, não importa qual tenha sido sua magnitude, é possível e necessário investigar estes crimes e punir os culpados.
Situações como a gerada pela crise económica tem feito com que se comece a falar de crimes económicos contra a humanidade. O conceito não é novo. Já nos anos 1950, o economista neoclássico e prémio Nobel, Gary Becker, introduziu a sua “teoria do crime” em nível microeconómico. A probabilidade de que um indivíduo cometa um crime depende, para Becker, do risco que assume, da possível vitima e do possível castigo. A nível macroeconómico, o conceito foi usado nos debates sobre as políticas de ajuste estrutural promovidas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial durante os anos 1980 e 1990, que acarretaram gravíssimos custos sociais à população da África, América Latina, Ásia (durante a crise asiática de 1997-1998) e Europa do leste. Muitos analistas apontaram esses organismos como responsáveis, especialmente o FMI, que perdeu muito prestígio após a crise asiática.
Hoje são os países ocidentais que sofrem os custos sociais da crise financeira e de emprego, e dos planos de austeridade que supostamente lutam contra ela. A perda de direitos fundamentais, como o trabalho e a habitação, e o sofrimento de milhões de famílias que vêem em perigo a sua sobrevivência são exemplos dos custos aterradores desta crise. Os lares que vivem na pobreza estão a crescer sem parar. Mas quem são os responsáveis? Os mercados, lemos e ouvimos todos os dias.
Num artigo publicado na Businessweek, no dia 20 de Março de 2009, intitulado “Wall Street’s economic crimes against humanity”, Shoshana Zuboff, antiga professora da Harvard Business School, sustentava que o facto de os responsáveis pela crise negarem as consequências de suas acções demonstrava “a banalidade do mal” e o “narcisismo institucionalizado” nas nossas sociedades. É uma mostra da falta de responsabilidade e da “distância emocional” com que acumularam somas milionárias e que agora negam qualquer relação com o dano provocado. Culpar só o sistema não era aceitável, argumentava Zuboff, assim como não seria culpar, pelos crimes nazistas, só as ideias e não aqueles que os cometeram.
Culpar os mercados é efectivamente ficar na superfície do problema. Há responsáveis e são pessoas e instituições concretas: são aqueles que defenderam a liberalização sem controlo dos mercados financeiros; os executivos e empresas que se beneficiaram dos excessos do mercado durante o boom financeiro; aqueles que permitiram as suas práticas e que permitem agora que saiam imunes e fortalecidos, com mais dinheiro público, em troca de nada. Empresas como Lehman Brothers ou Goldman Sachs, bancos que permitiram a proliferação de créditos podres, empresas de auditoria que supostamente garantiam as contas das empresas, e pessoas como Alan Greenspan, chefe do Federal Reserve norte-americano durante os governos de Bush e Clinton, opositor ferrenho da regulação dos mercados financeiros.
A Comissão do Congresso norte-americano encarregue de investigar as origens da crise foi esclarecedora neste sentido. Criada pelo presidente Obama, em 2009, para investigar as acções ilegais ou criminais da indústria financeira, entrevistou mais de 700 especialistas. O seu relatório, tornado público em Janeiro passado, conclui que a crise financeira poderia ter sido evitada. Assinala falhas nos sistemas de regulação e supervisão financeira do governo e das empresas, nas práticas de contabilidade e de auditorias, e na transparência nos negócios. A Comissão investigou o papel directo de alguns gigantes de Wall Street no desastre financeiro, por exemplo, no mercado de subprimes, e das agências encarregadas do ranking de bónus. É importante entender os distintos graus de responsabilidade de cada actor deste drama, mas não é admissível a sensação de impunidade sem responsáveis.
Quanto às vítimas dos crimes económicos, em Espanha um desemprego de 20% há mais de dois anos significa um enorme custo económico e humano. Milhares de famílias sofrem as consequências de terem acreditado que pagariam hipotecas com salários mileuristas: 90 mil execuções hipotecárias em 2009 e 180 mil em 2010. Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego é metade da espanhola, mas envolve cerca de 26 milhões de pessoas sem trabalho, o que implica um tremendo aumento da pobreza num dos países mais ricos do mundo. Segundo a Comissão sobre a Crise Financeira, mais de quatro milhões de famílias perderam as suas casas, e quatro milhões e meio estão em processo de despejo. Cerca de 11 bilhões de dólares de “riqueza familiar” desapareceram com a desvalorização de patrimónios, incluindo casas, pensões e poupanças. Outra consequência da crise é o seu efeito sobre os preços dos alimentos e outras matérias-primas básicas, setores para os quais os especuladores estão a desviar os seus capitais. O resultado é a inflação dos seus preços e o aumento ainda maior da pobreza.
Em alguns casos notórios de fraudes como o de Maddof, o autor está na prisão e o processo judicial contra ele continua porque as suas vítimas têm poder económico. Mas em geral aqueles que provocaram a crise não só obtiveram lucros fabulosos, como também não temem castigo algum. Ninguém investiga as suas responsabilidades nem as suas decisões. Os governos protegem-nos e o aparato judicial não os persegue.
Se tivéssemos noções claras de que se trata de um crime económico e se existissem mecanismos para investigá-los e persegui-los, muitos dos problemas actuais poderiam ter sido evitados. Não é uma utopia. A Islândia oferece um exemplo muito interessante. Em vez de resgatar os banqueiros que arruinaram o país em 2008, a promotoria abriu uma investigação penal contra os responsáveis. Em 2009, o governo inteiro teve que renunciar e o pagamento da dívida foi suspenso. A Islândia não socializou as perdas como estão a fazer muitos países, incluindo a Espanha, mas decidiu aceitar que os responsáveis fossem castigados e que seus bancos falissem.

Lourdes Benería é professor de Economia na Universidade de Cornell. Carmen Sarasúa é professora de História Econômica na Universidade Autônoma de Barcelona. Artigo publicado originalmente no jornal El País, no dia 29 de março de 2011.