quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Desperdicio público

O livro de Carlos Moreno «Como o Estado gasta o nosso dinheiro», agora lançado, irá marcar a discussão pública sobre a gestão financeira do Estado em Portugal. Na verdade, nada do que o agora juiz jubilado do Tribunal de Contas (TC) escreve é novidade. A mensagem é clara: as Parcerias Publico Privadas realizadas nas últimas duas décadas em Portugal foram, em geral, um péssimo negócio para o Estado e um óptimo negócio para os ‘parceiros privados’, os quais ficaram com a garantia de rendimentos e isentos dos riscos das operações.
No momento actual, este tipo de discurso parece assentar bem aos economistas da praxe, àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado. Na verdade, o desastre das PPP deve-se, em larga medida,... precisamente àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado. A lógica das PPP consiste em acreditar que o Estado deve deixar espaço aos privados para revelarem a sua eficiência supostamente acrescida. Acontece que a maior eficiência que esses privados têm revelado é na argumentação jurídica que lhes permite justificar renegociações dos contratos – só na Lusoponte a derrapagem financeira associada foi de 400 milhões de euros. A lição a retirar não deixa espaço para dúvidas: se o Estado não é suficientemente bom para conduzir directamente os investimentos, não o será seguramente para prevenir ou vencer batalhas jurídicas associadas a contratos complexos.
Mas esta não é a história toda. A passagem directa de governantes para a direcção de empresas que beneficiaram da sua governação obriga-nos a suspeitar da determinação de alguns responsáveis políticos na defesa do interesse público. Não posso, poucos poderão, saber o que levou Joaquim Ferreira do Amaral (ex-ministro das Obras Públicas de Cavaco) à direcção da Lusoponte ou Jorge Coelho (ex-ministro das Obras Públicas de Guterres) à direcção da Mota-Engil, depois de terem tomado decisões em nome do Estado que foram favoráveis a estas empresas. Mas posso dizer que Portugal está longe de seguir práticas de bom governo no que respeita à gestão dos conflitos de interesse.
A história das PPP em Portugal mostra-nos que menos Estado não é necessariamente melhor Estado. Mostra-nos também que o combate ao desperdício tem de passar por um Estado mais activo e mais decente. Um Estado que assuma que o investimento directo é frequentemente melhor do que acordos de parceria com demasiadas contingências incertas. Um Estado que reforce as competências técnicas dos organismos públicos, de forma a assegurar que não é por falta de competências que as boas decisões não são tomadas. Enfim, um Estado com mais transparência e maior controlo democrático, de forma a reduzir os riscos da sua captura por interesses particulares.
Post do blog: Ladroes de Bicicletas

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